Crucificação de Jesus é central no Cristianismo. Vários templos ao redor do mundo afirmam ter relíquias da ‘verdadeira cruz’. Como conseguiram? Relíquias, tráfico, carbono.
De acordo com as escrituras bíblicas, o caminho de Jesus de Nazaré rumo à cruz foi marcado por diversas provações e sacrifícios. Sua crucificação, ordenada por Pôncio Pilatos, simboliza o ápice da sua missão terrena, que é celebrada todos os anos durante a Semana Santa.
As cruzes, pedaços de madeira que simbolizam a crucificação, são frequentemente utilizadas em rituais religiosos e representações artísticas. Os fragmentos das cruzes originais são considerados relíquias sagradas e venerados por fiéis em todo o mundo, testemunhas silenciosas do sacrifício supremo de Jesus.
A lenda dourada
A crucificação é tão simbólica para o Cristianismo que a cruz acabou se tornando o símbolo das religiões que professam devoção à figura de Jesus Cristo. No entanto, o que será que aconteceu com a cruz original? De acordo com dezenas de mosteiros e igrejas em todo o mundo, cada um afirma ter pelo menos um pedaço da chamada ‘verdadeira cruz’ nos altares, para louvor dos seus fiéis. E muitos deles buscam sustentação na veracidade da História dos Evangelhos, que relatam a descoberta em Jerusalém de um pedaço de madeira onde Jesus Cristo foi executado pelos romanos.
Segundo a professora Candida Moss, especialista em Cristianismo Primitivo, a história da ‘verdadeira cruz’ remonta aos séculos 3 e 4, envolvendo o imperador Constantino e sua mãe Helena. Entretanto, para muitos historiadores contemporâneos, esses relatos não são suficientes para confirmar a autenticidade dos pedaços de madeira presentes nos templos ao redor do mundo. A possibilidade de reutilização da cruz original para outras crucificações é levantada como um questionamento válido.
Relíquias para encher um navio
Na narrativa dos Evangelhos, após a crucificação de Jesus, seu corpo foi colocado em um túmulo em Jerusalém. Por cerca de 300 anos, não houve menção do pedaço de madeira usado na cruz. Foi somente a partir do século 4 que o bispo Gelásio de Cesaréia documentou a descoberta da ‘verdadeira cruz’ por Helena perto do Monte Gólgota.
Diversos locais reverenciam fragmentos desse símbolo, como a Basílica de Santa Cruz em Roma e a Abadia de Heiligenkreuz na Áustria. Durante a Idade Média e com a expansão do cristianismo pela Europa, a cruz se estabeleceu como o emblema universal da religião, multiplicando-se em pedaços conhecidos como ‘lignum crucis’. A devoção por essas relíquias foi legitimada pelos concílios de Niceia e Trento.
João Calvino questionou a proliferação desses fragmentos no século 16, apontando que todos juntos poderiam encher um grande navio. No entanto, estudos modernos mostram que se reunidos, esses pedaços representariam apenas metade do tronco principal da cruz. A busca pela ‘verdadeira cruz’ ainda persiste, mas a falta de evidências e a complexidade das investigações tornam essa tarefa extremamente desafiadora.
Veracidade
Moss pondera que embora Helena possa ter encontrado um pedaço de madeira, sua real ligação com a cruz original permanece incerta. A datação por carbono, crucial para comprovar a autenticidade dos fragmentos, é um processo dispendioso e intrusivo que muitas igrejas não podem custear. Kickell, em seu estudo, não encontrou qualquer prova que respaldasse a origem da cruz associada a Helena.
Para Moss e Goodacre, encontrar a verdadeira cruz de Cristo é altamente improvável devido a diversos fatores. A complexidade da investigação, a falta de recursos financeiros e a própria definição da cruz como uma árvore ou estaca de tortura, tornam essa busca uma verdadeira incógnita. A cruz, tão simbólica e sagrada, guarda consigo mistérios e desafios que desafiam nossa compreensão e nos levam a refletir sobre a fé e a devoção.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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